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Congresso em Foco – A sua tese de doutorado, que
agora será lançada em livro, confirma o pensamento de
que no Brasil só vão mesmo para cadeia os pretos, os
pobres e as putas, o chamado três Ps?

Laura Frade – O
trabalho acaba confirmando a história dos Ps. Funciona como
uma sinapse, pois o cérebro põe no automático a
maior parte das coisas que ele pode. E da mesma maneira que ele põe
no automático gestos e a maneira como se dirige, por exemplo,
põe também visões de mundo. Crenças são
coisas automatizadas, representações sociais. Então,
a idéia de que a gente tem do criminoso acaba se transformando
em algo automatizado. E foi exatamente isso que eu fui buscar
levantar no Congresso. É na produção legal, nas
propostas de lei dos parlamentares, que mais se confirma a crença
dos Ps. Nas falas, você ainda vê visões mais
humanitárias e que poderiam ajudar a transformar essas
crenças. Mas quando chega na hora de fazer a lei sempre é
para endurecer. Foram mais de 600 projetos apresentados na
legislatura passada. Só dois se referiam a crime do colarinho
branco, que estavam voltados para a elite. O restante era para
agravar a pena ou o processo, que é o correspondente da
doutrina vigente do Tolerância Zero.

Por que a senhora
escolheu mapear a legislatura passada?

Porque foi a
legislatura que mais teve escândados envolvendo os próprios
parlamentares. Eu pensei que, teoricamente, naquela legislatura os
parlamentares deveriam se ver no mínimo como objeto de alguma
criminalidade. Até se falou um pouco sobre isso, mas não
havia nenhum projeto a esse respeito. Nada diferente.

Na
época da produção da sua tese, o Brasil estava
sob os ataques do PCC e depois tivemos a morte do menino João
Hélio no Rio de Janeiro. A produção de leis para
endurecer os crimes comuns é sempre casuística?

Os
projetos são produzidos casuisticamente. Isso fica muito claro
toda vez que acontece alguma coisa na sociedade, como os ataques do
PCC e do menino que foi arrastado. Aí tivemos um aumento na
apresentação de projetos para conseguir mais verbas. O
debate é casuístico. E é, muitas vezes, uma
resposta à ação da imprensa. O que eu acho mais
grave é que isso não é uma coisa deliberada. O
parlamentar não acorda de manhã cedo imaginando como
ele vai fazer isso. Acho que é uma coisa automática. Os
parlamentares não têm consciência dessas
representações. O assunto nunca é debatido na
profundidade que ele merecia ter. O que me deixou mais chocada na
fala deles – e eles reconhecem – é que não falta
recurso, mas vontade política.

A falta de vontade
política é na aplicação correta do
dinheiro nesta área?

Não. Mas falta fazer uma
discussão que possa tratar da questão da criminalidade,
porque, do jeito que está, a gente continua repetindo
automaticamente a mesma coisa. A gente não pára para
perguntar se isso está resolvendo a questão da
segurança pública. Não está. Está
se gastando muito dinheiro e estamos só replicando aquilo que
gera a própria violência. Essa dissociação
e a falta de coesão social. Essa separação entre
rico e pobre.

Como a senhora avalia os projetos do Executivo
nesta área?

Eu não fiz uma avaliação
dos projetos do governo. Isso seria outra tese. Mas o que eu acho é
que a gente tem excelentes intenções. Temos um problema
grave, mas não damos a resposta real. É como medicina
tradicional e medicina preventiva. No fundo, a gente está
respondendo ao que já ocorreu. Quando a lei deveria se
antecipar a essas questões. Os parlamentares se informam por
meio da imprensa sobre essas questões. Temos milhões de
trabalhos de pesquisas que tratam da questão da segurança,
mas dificilmente um parlamentar chega a acessar isso.

E quem
domina essa questão no Congresso?

São os
especialistas, aqueles que têm formação jurídica,
que conhecem estabelecimentos prisionais ou que já foram
secretários de segurança pública. Que conhece
essa realidade, mas são os que têm uma ideologia sobre o
tema. Ai vai repetindo e não se muda nada. Não se abrem
janelas no Congresso para uma discussão mais arejada sobre o
tema.

Em que partidos essas duas visões – mais
humanista e de tolerância zero – estão mais
presentes?

O tema não é uma questão
partidária, nem estadual. É uma questão para
esses especialistas. É uma característica da política
brasileira. Não há uma correlação desses
dois pensamentos com os partidos. São basicamente três
linhas de visão desses especialistas. Tem gente, entre esses
especialistas, que acha que o crime é genético, que é
uma questão espiritual ou que está ligado à
questão social.

Como essa visão espiritual sobre
o crime é tratada pelos parlamentares?

Está
crescendo muito a bancada dos evangélicos e mesmo a dos
católicos que tratam a questão da criminalidade como a
falta de Deus no coração, para usar uma expressão
dos parlamentares a respeito disso. Essas seriam pessoas que precisam
ser salvas. Eu até acho sinceramente que eles têm uma
excelente intenção, mas foi uma coisa que surpreendeu a
academia, mas que não me surpreende. Pois as bancadas estão
crescendo e essa é uma visão que tende a se estender
mais ainda dentro do Legislativo, não só em relação
a criminalidade.

E como é esse conceito dos que acham
que o crime é genético? Está restrito à
idéia de que existem mesmo sociopatias e que essas são
doenças genéticas?

Patologias podem desencadear
uma tendência ao crime. Essa visão extrapola isso. É
a visão de que bandido bom é bandido morto. Por que ele
não tem cura, não tem salvação e é
geneticamente mau.

Faz muito tempo que não surge no
Brasil uma proposta de pena de morte que tenha força política
para ser aprovada no Congresso. Por que essa idéia não
vai adiante, considerando-se que a idéia sai da boca do povo
toda vez que é cometido um crime hediondo? Essa visão é
preponderando no Parlamento brasileiro?

A última
proposta de pena de morte foi feita antes da revisão
constitucional na década de 80. Esse grupo não é
majoritário, mas é importante porque está entre
os especialistas em segurança pública. Não são
muitos, mas é um grupo que pode se expandir. Entre os
adjetivos usados para definir os criminosos pelos parlamentares
mapeados pela tese o primeiro é de que eles têm baixa
instrução, ou seja, o criminoso é burro. Doente
é o segundo adjetivo associado. E quando você vê
que esse adjetivo é o segundo, certamente tem gente no meio
dessas pessoas que acha que o crime é uma doença
incurável. E que o criminoso não está
relacionado com a elite porque a elite não tem baixa
instrução.

Mas por que a tese da pena de morte
não vinga no Brasil?

Existem, sim, pessoas que pensam
dessa maneira. Ela não vinga porque, de certa maneira, isso é
feio num mundo de hoje, onde se fala de idéias de meio
ambiente e de humanização. Também é
difícil você assumir publicamente essa tese. Eu não
digo que a idéia não teria apoio, pois grande parte da
população até pensaria nisso. Mas o ambiente
institucional e o mundo jurídico não tornam mais fácil
uma tese dessa natureza. Isso, de alguma maneira, desestimulou essa
visão.

A questão da criminalidade e da violência
está associada com o tráfico de drogas, principalmente
no Rio de Janeiro. É possível resolver o problema com a
legislação que temos no Brasil? É solução
descriminalizar as drogas?

Houve apenas uma entrevista entre
os parlamentares – e que não estou dando nome, pois meu
compromisso foi manter isso sob sigilo – que foi muito
interessante. O parlamentar disse que sobre criminalidade não
tinha novidade nenhuma. E que todo mundo propõe a mesma coisa
há milênios. Mas dizia que a solução era
descriminaliza as drogas. Mas todo vez que ele defendia isso, só
apanhava, era vaiado ou ninguém dava bola para ele. Foi a
única idéia diferente que eu ouvi em todas as
entrevistas que fiz no Congresso.

Como pesquisadora, a senhora
é a favor da descriminalização das drogas?

Sou
a favor de qualquer coisa que possa reverter essa situação.
Acho que é um novo paradigma. Não sei qual seria o
procedimento, nem estou defendendo a descriminalização.
Mas tem muita gente ganhando dinheiro legal e ilegalmente com isso.
Se privatizarmos uma penitenciária, tem alguém ganhando
com isso. A coisa precisa virar uma discussão séria
nacionalmente. E não vira porque tem muita gente ganhando
dinheiro com essa situação. E se o seu filho é
pego com drogas, você vai fazer o impossível para que
ele não seja preso. A lei é para todo mundo? É,
mas mais ou menos. Claro que, se tiver um bom advogado, você
terá uma probabilidade muito mais alta de não ir para a
prisão. Ou, se tiver curso superior, irá para uma
prisão especial. Então a própria lei contribui
para diminuir a coesão social. A própria lei gera a
base para a criminalidade.

E o que mudou no combate aos
crimes de colarinho branco desde que a senhora terminou seu
trabalho?

A sociedade também pensa que o bandido é
só pobre. Mas algumas coisas mudaram quando a gente vê
as mulheres todas chiques levando quentinhas de comida fina para os
maridos na prisão. Rico na cadeia é uma mudança.
Se eu vejo aquilo, começo a acreditar que juiz também
pode ser bandido e que político também. Na verdade, o
Judiciário tem nas mãos a capacidade de fazer as coisas
mudarem. Mas o nosso Direito é baseado em códigos. E se
essas leis são feitas dessa forma, às vezes, o
Judiciário pode ficar engessado para fazer essas mudanças.
O fato de o presidente Lula, sem entrar nas questões
partidárias, chegar à Presidência faz diferença.
Pois o menino pobre da favela pensa que também pode. A mudança
de crença é ver coisas que mudam as imagens que se tem
automatizadas na cabeça.



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